Palavras frequentemente repetidas nos ouvidos tendem a se tornar vazias nas consciências, principalmente quando são desvinculadas no chão da realidade. Termos teológicos e eventos cívicos compartilham este risco.
Cristo, Rei do Universo. O quê, exatamente, significa? Afinal, não vemos os frutos do seu reinado…
Consciência negra…agora ela tem cor?
Quando o calendário litúrgico marca um dia para celebrar o Senhorio de Jesus, o faz também por ser necessário pensarmos o que este domínio significa, como ele ocorre e suas consequências. Não foi por força, nem por violência, que Deus Pai deu a Jesus, Deus-homem eternamente, o status de ser Aquele frente ao qual todo joelho se dobrará e toda língua confessará seu poder. Foi porque Ele foi obediente até a morte, morte horrenda, sob tortura e para a diversão sádica de algumas testemunhas. Por isso Ele é o Senhor, aquele que está assentado no trono, o Cordeiro que foi morto, mas que vive para sempre. Se os frutos do Seu governo não são ainda visíveis aos olhos de todos é, também, porque não é chegada a hora do Seu Reino, porque nem todos os olhos veem, porque apenas alguns dos seus discípulos andam com Ele andou e se perguntam, “nos meus passos, o que faria Jesus?” Até Sua segunda vinda, seu Reino compreende, mas não se limita a, os corações, os cérebros, os corpos, os desejos de todos aqueles que já O confessam Senhor, para a glória de Deus Pai.
Quando o calendário cívico marca o dia da consciência negra, o faz por ser necessário pensar por qual motivo é necessária uma consciência com cor. É necessária uma cor para lembrar a ela que foi a quantidade de melanina, um pigmento da pele, a marca daqueles que foram tratados como menos humanos, como coisas, subjugados, sequestrados, coisificados, marcados com ferro em brasa, vendidos em mercados, jogados ao mar se necessário. E isto por uma sociedade que proclamava, no papel, ser subordinada ao Senhorio de Cristo. No papel, porque os corações permaneciam incircuncisos, duros, servos do diabo e dos seus anjos.
Sim, a escravidão negra acabou no nosso país há mais de um século. Mas a escravidão perdura em vários lugares do planeta, não restrita a quem tem a pele negra, mas a qualquer um que não tenha força para fugir ou lutar contra seus captores. Sua forma menos explícita aparece entre nós no boliviano preso em um quarto minúsculo nas grandes cidades costurando roupas para grandes empresas por um preço ridículo; ou em trabalhos que são exercidos em condições insalubres, desumanas, tendo uma parte da esmola chamada de salário retida pelo empresário como “ressarcimento”.
Sim, a escravidão negra acabou no nosso país há mais de um século, mas: negro(a)s e mulato(a)s recebem menos que os não-negros nas mesmas funções; a cultura negra é ignorada e tratada como arte do demo; o jeito de ser negro é desprezado; a moda negra não é para ser incorporada por todos os corpos (apenas exibida como propaganda); é o jovem negro que mais morre de bala perdida e bala bem certeira; é a pele negra que causa constrangimentos em ambientes sofisticados.
Cristo, Rei do Universo, mas também Senhor e Rei dos nossos corações, é que ordena que não haja preconceito, exploração, humilhação, rejeição, injustiça. É Aquele que, no grande e temível dia do Senhor, receberá de braços abertos aqueles que souberam vê-Lo na face e nos corpos do oprimido, do explorado, do pobre. Aquele que, na nova Jerusalém, juntará toda cultura como parte do Seu Reino.
Que Ele nos ajude e nos modifique, hoje e sempre.
Presbítero Eduardo R. Mundim